segunda-feira, abril 02, 2007

Quando um filme nos puxa os cabelos...
Mulholland Drive
David Lynch parece ter esta posição: “Que tal eu deixar o mundo viver como quer e deixar que eu viva como quero”
De qualquer das formas, a interpretação que se extrai do filme é esta:
Tudo se desenrola como se fosse um filme com princípio meio e fim, mas de repente apercebemo-nos que não é assim, e a simples observação da tela, acaba numa grande dor de cabeça. Surge o Cowboy, que é um género de pregador de ideias, tal como um “pastor”, um padre, na sua forma mais genuína e americana…e que nos diz o principal: “A forma como a tua vida é só depende de como a levas, uma vez com calma tudo corre bem”…enfim algo do género, e acrescenta “se não acentares bem esta ideia aparecerei mais vezes”…tudo isto dito a um REALIZADOR. O verdadeiro realizador neste caso é o Cowboy. E nós somos realizadores da nossa interpretação, da nossa vida, das nossas ideias tal como Adam, mas é Lynch que nos vai dizer que apesar das nossas convicções tudo não passa de uma ilusão, em que para tudo o que é certo o contrário é igualmente válido, daí a troca de identidades, a destituição de ordem, que na realidade só existe na nossa transfiguração mental, que para o ser humano é essencial, tal como o conceito espaço-tempo. A ideia é fortemente vincada aquando o aparecimento do Club Silêncio…e silêncio porquê? Porque na realidade nada existe, e nada depende de nada para que alguma coisa se desenrole. Não há ordens, hierarquias, leis naturais, nem tretas, apenas estamos alienados e não nos apercebemos de tal, daí as personagens chorarem face à mostra de uma realidade ilusória, e a verdadeira sensação do facto põe-nos em pânico. Eles são bem explícitos: “Everything is Illusion”. Daí a história começar numa estrada nos arredores de Hollywood, o mundo dos sonhos e ilusões, que é uma metáfora feita com o planeta terra, dai a personagem Rita (que nem Rita chega a ser) que é a verdadeira assunção do “eu” perdido de forma mais explicita nesse mundo. Tudo se revela na caixa que ela transporta…vem do nada e regressa ao nada. A caixa é azul porque o Azul é a cor, por excelência da letargia, estando relacionado com a apatia ou impossibilidade de acção face ao cosmos.
O cowboy …o verdadeiro Realizador, aparece mais duas vezes: para marcar a terceira parte do filme, pois a outras duas já foram…quando a Betty foi para a terra dos sonhos, primeira parte, quando Rita se apercebeu que era acompanhada por um fulgor vibrante de vida, que na realidade estava morto,…não existia, segunda parte; e então chega-nos a terceira parte, em que todo o fulgor se pode inverter…ou seja um mundo caótico, horrendo, e terrivelmente fatal. O Cowboy aparece aquando o jantar na casa de Adam, para marcar mais uma vez o conceito de ilusório “de que a pressa e ânsia de viver é fatal na ordem natural da existência”, pois Betty está cheia de aspirações sonhos e ilusões, é isso que lhe marca a morte…e o fecho do filme, e sublinha a necessidade de nos abstrair-mos da alienação terrena, para nos salvar-mos, e apercebermo-nos de uma vez por todas da nossa realidade abstracta.
É apenas esta a minha interpretação...

1 comentário:

Daniel Ferreira disse...

gostei da tua interpretação!

não me lembro de ter visto algo do Lynch que não o "twin peaks" mas no entanto tenho noção que é um dos mais inquietantes realizadores do cinema actual... O ambiente caótico e desprovido de sentido faz parte da sua abordagem para com a finalidade a que se propõe:
"As minhas últimas obras tendem a ser abstractas e quanto mais abstracto um filme for, mais interpretações permite."

cumprimentos saudosos!