domingo, dezembro 10, 2006

Porquê que isto é arte?
O que é que é arte?

Poucas perguntas provocarão polémica mais acesa e tão poucas respostas satisfatórias.
Para nós, arte é, antes de mais nada, uma palavra, uma palavra que reconhece quer o conceito e arte, quer o facto da sua existência. Sem a palavra, poderíamos até duvidar da própria existência da arte, porém sentindo o vazio deixado pela sua inexistência, pois esta é algo que perde definição quando pretende classificar um amplo leque de actividades humanas, tanto que é facto a palavra arte não existir na língua de todas as sociedades (embora a sua feitura acompanhe o Homem desde os primórdios, o que, hipoteticamente, a posiciona como adjectivo e não como substantivo como querem fazer dela (algo concreto e bem definido), assim assemelha-se a uma emoção materializando-se em interjeição perante determinado motivo, encontrando-se nesta medida com a palavra “Saudade” tão portuguesa, mas sentida em todo o mundo embora demasiado complexa para ter um ponto fixo, a despeito do que considera Mondrian “A Arte é um jogo e jogos têm as suas regras”… porque um jogo existe e a arte está no limiar da existência e da indefinição.
Ao dizer que a arte pretende classificar um amplo leque de actividades humanas, pretendo frisar que arte é uma actividade exclusivamente humana, pois está hoje provada a incapacidade dos outros seres vivos para, de um modo consciente e voluntário, produzir ou apreciar fenómenos criativos. A própria Natureza capaz de nos maravilhar com a harmonia das suas paisagens ou com a fúria dos seus elementos, não o faz com intencionalidade Artística, mas tão-somente como resultado das leis naturais e do acaso.
A relação do homem com a arte é íntima, a tal ponto que já alguém definiu a arte como sendo condição de humanidade. Porque será? A meu ver, a arte está inerente à actividade humana, e esta é imparável, caracterizando a natureza interrogativa e assim evolutiva do Homem, como diz Lewis Mumford “Quando deixa de criar o Homem deixa de viver.” Sendo a arte imortal, a despeito do que afirma Sigfried Giedion “Actualmente, será a arte ainda necessária?”. Já vimos que não é uma questão de necessidade mas de consequência.
Como se ousa afirmar “A Arte é um objecto estético”. É claro que nem toda a arte é bela aos nossos olhos, mas não deixa por isso de ser arte. A Estética, enquanto ramo da filosofia, tem preocupado os pensadores desde Platão aos nossos dias, mas, tal como a arte que por vezes define pela boca de alguns, e tal como todas as questões filosóficas, talvez os problemas levantados pelo belo sejam inerentemente insolúveis como afirma Herbad “Não há nem pode haver beleza que exista por si própria. Nada mais existe além da nossa opinião que nasce das nossas impressões pessoais”. Há que ter em conta que o nosso gosto e as nossas opções são exclusivamente condicionadas pela cultura em que estamos inseridos, e as culturas são tão diversificadas que se torna impossível reduzir a arte a um conjunto de regras susceptíveis de serem aplicadas em toda a parte. Parece assim impossível definir qualidades absolutas em arte, não podendo, nós escapar à necessidade de apreciar as obras de arte no contexto do seu tempo e circunstância.

A meu ver, e tendo em conta tudo o que referi, atrevo-me a dar a minha própria visão de arte: Arte para mim é uma questão de inconsciência e acaso, não de gosto, e todo o seu presente é devido ao destino, não à justiça, no sentido popular do termo.
Quando digo que arte para mim é uma questão de inconsciência e acaso, tenho presente que tudo no homem é um meio para se aliviar da sua emotividade, que pela sua excessividade é um peso nos ombros, sendo esta obra do acaso, vinda de um ser, embora algo racional, com pouco freio nos seus sentidos, por mais que pensados, tal como na frase “O amor tem razões que a própria razão desconhece” e como tudo acaba por ser vítima do amor (sendo o ódio também uma forma de amor, pois pertence à mesma escala do sentir, sendo apenas o oposto) a arte também se engloba neste confuso enredo humano, tal como Ruskin procurava nela: “Nós esperamos da arte que ela fixe tudo o que é fugaz, que ilumine aquilo que é incompreensível, que dê corpo àquilo que não se pode medir, que imortalize as coisas que não permanecem. Tudo o que é infinito e maravilhoso, aquilo que o homem pode constatar sem compreender, amar sem saber definir, é este o verdadeiro objecto da Arte.”
Posso adiantar então que Arte não é um objecto estético mas antes um adjectivo dado a uma emoção, ou mesmo, uma emoção.

3 comentários:

Anónimo disse...

Pois é...Arte, não é mais que toda e qualquer criação humana de valores estéticos, como beleza, equilibrio, harmonia e até revolta, que sintetizam as emoções, a história, os sentimentos e até a própria cultura.

Anónimo disse...

Sem margem para dúvidas que este post é sem dúvida o mais interessante, sem tirar o brio dos anteriores, que já escreveste até hoje, gostei!

A interrogação é magnífica e ousada.

Quanto à resposta é esplêndida!

Concordo contigo quanto ao facto da arte ser uma emoção, essa é, sem dúvida nenhuma, a meu ver a melhor e mais fidigna definição.

Se é que a podemos definir na verdadeira acepção da palavra...

Uma das coisas que me maravilhou ainda mais, foram as citações escolhidas, particularmente a de Ruskin com a sua típica interpretação romântica, embora eu seja um bocado suspeito devido à fascinação pela maneira como esse senhor tratou a arte nos seus estudos teóricos.

Parabéns,
e cumprimentos saudosos!

Anónimo disse...

Não resisti à oportunidade de (dar um contributo) expressar uma visão que entendo como mais pragmática de arte, uma visão de engenheiro se quiseres de "architekton" - mestre carpinteiro,mestre de obras,empreiteiro; enfim de arquitecto á moda antiga.

Fiz um esforço daqui e dali e sintetizando...

"O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo."

Fernando Pessoa,
une duas palavras que por costume estão separadas, e até em oposição: eterna e novidade. O eterno o que é intemporal, está sempre idêntico a si mesmo, o novo é mudança, temporalidade, inovação. E essa unidade entre o eterno e o novo é possível, sim, aos humanos. Chama-se arte.
A obra de arte é a que ganha interesse de reprodutibilidade e com isso a inovação (temporal) que transporta, rapidamente (ou não) acaba a ganhar valor eterno (intemporal/ civilizacional).