quinta-feira, março 03, 2011

Moral Verosímil como Meio de Criação Humana


 

Martin Heidegger, em A Origem da Obra de Arte, diz-nos ser necessário que se recorra ao artista para conhecer a origem da obra de arte, porém só sabemos algo sobre o artista, se inquirimos a obra que, por sua vez, só é uma obra porque resultou do trabalho do artista. Desta feita, somos obrigados a penetrar num círculo que, conforme Heidegger, é uma forma que deve percorrer quem se ocupa do pensar.
Inseridos no círculo, o caminho devemos percorrer. Chegamos, então à conclusão de que uma obra de arte é aquela que é gerada no auge do conflito entre a Terra e o Mundo. A primeira, reconhecida como a doadora, aquela que se retrai e se oculta no seu silêncio. O Mundo, resultado da construção humana, é aquele que reclama da Terra o proferir de qualquer coisa que o conduza à compreensão daqueles que lhe deram vida e que, por sua vez, ele e a terra são seus geradores. É nesta inter-dependência que se explica a relação entre Obra de Arte e Artista, sendo simultaneamente a partir desta premissa que se chegará à compreensão do Mundo e da Natureza (Terra). Verificamos assim que a expansão de um “ser”, de um “existir”, tem sempre retorno ao seu “ventre”. Da Terra surge, se expande, mas mesmo através da ambiguidade do pensamento humano, ela retorna à sua origem. E assim se revela a verdade, na íntima relação com o Homem, com Mundo que resulta dele, e da sua Mãe Terra. Revela-se a verdade no mutismo de uma obra de arte, que parte do Homem, e simultaneamente, da Terra, sua origem.
Por fim espera-se que a obra de arte seja contemplada, para que, enfim, se revele esta verdade.
Penetrando, na problemática do Mundo, isto é, da Criação Humana, confrontamo-nos com a incoação na Natureza Humana.
De acordo com o conceito aceite pela ciência moderna, natureza humana é a parte do comportamento humano que se acredita que seja normal e/ou invariável através longos períodos de tempo em contextos culturais dos mais variados. Esse entendimento entretanto é equivocado, dado que a ciência não crê em natureza humana, pois essa tem um carácter metafísico.
Existindo várias perspectivas em relação à natureza e essência fundamentais dos seres humanos, foco-me no livre arbítrio e determinismo, tomando conta, estas premissas, de grande parte do debate sobre a natureza humana.
Sendo um acto quase que Predestinado, a Criação Humana vive de um conflito inerente à sua própria natureza, a ignorância, o sofrimento, o domínio da morte, inclinada ao pecado, e a procura simultânea de respostas, ou antes uma ambição inabalável, que garante a evolução da espécie. Não tomando partido do Creacionismo, creio que coexiste na natureza humana, determinismo e livre arbítrio, tal como defendem os compatibilistas contemporâneos.
Tal como todos os fenómenos físicos, os seres humanos, são objecto de causa e efeito. As nossas acções resultam do meio social bem como factores biológicos ou teológicos, mas também da livre e espontânea vontade de lhes ceder, e a meu ver, assim se concretiza a base para a criação humana, através de uma identidade completamente introvertida, ou integrada no seu meio, que procura respostas de si para si mesmo, ou de/para o seu ambiente.
Outro aspecto discutido da natureza humana é a existência da relação do corpo físico com o espírito ou alma, que transcende os atributos físicos do homem, bem como a existência de qualquer propósito transcendente.
Sendo eu a favor da visão filosófica naturalista, discordo da Alegoria da Caverna de Platão, em que a alma é um espírito que apenas usa o corpo e que a forma como vemos o mundo que nos rodeia é simplesmente um reflexo de algo mais elevado.
Sou da opinião que os humanos são seres não planeados do produto da evolução, que opera em parte pela selecção natural e mutação aleatória; sou algo a favor do Tomismo, uma vez que este assegura que o empirismo e a filosofia, que quando adequadamente exercidos, conduzirão inevitavelmente à crença razoável em Deus, à alma humana e ao objectivismo moral, o que assim sendo nos levará a prática do “sentir”, e deixar o preconceito do “já sentido”, de que nos fala Mário Perniola, pois através desta “moral” poderemos deixar as surpresas insólitas e perturbadoras, irredutíveis à identidade, ambivalentes, excessivas que se encontram entretecidas na existência de tantos homens e mulheres do século XXI, sendo isto, efectivamente o carácter não puro do sentir, que se liga à ausência de sensatez, seja, à falta de moral e razão.
"Há de se notar que um indivíduo, vivendo em sociedade, constitui de certo modo uma parte ou um membro desta sociedade. Por isso, aquele que faz algo para o bem ou para o mal de um de seus membros atinge, com isso, a toda a sociedade" [1]
"A humildade é o primeiro degrau para a sabedoria" [2]
Com um sentir mais duradouro, poderemos ter a paz necessária para a prática criativa.
A predisposição para uma moral e sensatez, leva-nos a indagar sobre o Estado de Natureza.
De acordo com Pelagius, o estado do homem na natureza, os Homens não são tentados pelo pecado original, mas plenamente capazes de escolher entre o bem e o mal.
De acordo com Hobbes, os seres humanos no estado de natureza estão inerentemente numa "guerra de todos contra todos", e a vida neste estado é em última instância "desagradável, bruta, e curta." Para Hobbes, esse estado de natureza é sanado pelo bom governo.
Concordo com Bertrand Russell e consequentemente com Hobbes. Para Russell o mal moral ou pecado é derivado de instintos que tenham sido transmitidos para nós de nossos ancestrais por bestas de rapina. Esta ascendência originou-se quando certos animais se tornaram omnívoros e empregados na caça (matando e furtando), de forma periódica para devorar a carne, bem como as frutas, para apoiar o metabolismo, em concorrência com outros animais para a escassez de alimentos e de comida vegetal, fontes no ambiente predador em que evoluiu. Assim, o simples facto de que os seres humanos devem comer outra vida ou então têm fome, leva-nos a pensar que a morte é a provável origem primordial do mal moral contemporâneo e histórico, isto é, as coisas más que fazemos uns aos outros como mentir, enganar, difamar, assaltar e matar.
Assim, acreditando no livre arbítrio de escolher entre o bem e o mal, de alguns homens, com predisposição para praticar bons actos, acredito na seguinte premissa: “Trate as pessoas como se elas já fossem o que poderiam ser e você as ajudará a se tornarem aquilo que são capazes de ser." [3]
Assim como Hobbes refere, um bom Governo trará boas práticas. E forma-se um novo círculo: Boas práticas trarão paz interior e consequentemente o “pleno sentir”, então amenizar-se-ão os conflitos interiores e inter-pessoais, e consequentes conflitos da criação humana…O “sentir em pleno” trará a plena obra de arte, percebida por todos como tal, quando “válida”, que será não mais que a revelação esperada da sua origem: o Artista, o Homem e seu “Mundo”, e a sua origem primordial, a “Terra”.


[1] Santo Tomás de Aquino, “Summa Theologiae”, I-II, q. 21, a. 3.

[2] São Tomás de Aquino.

[3] Goethe.

1 comentário:

PédeVento disse...

Como sempre gostei muito deste teu ensaio, que sei que foi feito com a profunda necessidade da busca da verdade, como é aliás teu procedimento habitual.
No entanto e tal como o teu pai és demasiado crédula na Humanidade. Por exemplo, nesta frase que tu escolhes-te, “Trate as pessoas como se elas já fossem o que poderiam ser e você as ajudará a se tornarem aquilo que são capazes de ser.", estou farta de o fazer, mas nunca consegui que o mundo o entendesse. As pessoas acham-se demasiado boas, não reconhecem os seus defeitos, não se questionam, não se põem em causa e por isso se tornam naquilo que poderiam ser. Esta frase infelizmente, a meu ver na prática, é uma luta inglória.